Série Diálogos A PERCEPÇÃO

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— Já houve outras também. Essa é só mais uma.

— Mas é diferente.

— Diferente por quê?

— A da gripe espanhola, por exemplo, no século passado.

— Que é que tem? Matou mais de 50 milhões, muito mais do que agora.

— Sim, é uma estimativa. Mas é diferente, muito. Naquela época não havia a mínima parte dos recursos de hoje. Vejo todas essas pessoas com uma fé absoluta na ciência, a certeza de que a humanidade vai vencer mais essa prova, e o que ainda vier pela frente. Confiança total na capacidade humana de resolver tudo, sem exceção.

— E não é assim que o mundo funciona? Não estou entendendo, você é contra a ciência?

— Não, de maneira alguma. Espero realmente que tudo se resolva o mais rápido possível. Só acho que tem algo mais nisso.

— Não tem algo mais, nada demais. Não há nada de estranho. A humanidade já passou por crises muito maiores, e estamos aqui ainda. Essa também vai passar e a vida voltará ao normal, você vai ver.

— Aí é que está. Não há mais nada de normal na nossa vida. E há muito tempo.

— Continuo sem entender. Crise é crise. Elas vêm e vão. Sempre foi assim. Todas vieram e passaram. Essa também vai acabar, mais dia menos dia. Qual a diferença de ser uma crise sanitária?

— Primeiro as características. Não passa um dia sem que os médicos se espantem. É uma síndrome na verdade, e não uma doença qualquer. Pode atingir vários órgãos, o sistema nervoso, você sabe. Só isso já dá o que pensar. Mas há mais, muito mais.

— Verdade? E o que seria, posso saber?

— Ela veio em meio a um turbilhão de acontecimentos graves, que se tornam cada vez mais sérios. É só pensar nos incêndios sem paralelo no mundo inteiro, todos esses furacões e tufões, temperaturas recordes, secas nunca vistas, o degelo nos polos, terremotos fortes quase toda a semana, e tanta coisa mais. Isso sem falar nas confusões políticas e econômicas. Não, não pode ser coincidência. Tudo isso junto tem que ter uma razão mais profunda, um sentido.

— Um sentido… claro. E qual é?

— Ainda não sei, mas pretendo descobrir.

— Tenho certeza que vai. Você tem muita imaginação.

— Não. Apenas vejo e ouço. Talvez precisemos aprender algumas coisas…

— Certo, nisso estou de acordo. A humanidade está sempre aprendendo e evoluindo. É só pensar na tecnologia atual. O que temos hoje pareceria um milagre há poucas décadas. Marte já não é nenhum sonho impossível. A ciência avança, a humanidade evolui, sempre aprendendo como você diz. Concordo. Temos de continuar aprendendo, não podemos parar. Para diante, sempre! As perspectivas do progresso que temos pela frente são muito animadoras, estonteantes até. A espécie humana é extraordinária, porque…

— Não estou falando nada disso. Acho que nos falta aprender outras coisas. Coisas que esquecemos e não damos mais importância há muito tempo.

— Por exemplo?

— Humildade.

Roberto C. P. Junior

(instagram.com/robpucci/)

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